Pediatra José Moacir Lacerda Junior conversa com a Catavento e afirma que a retomada das atividades presenciais nas escolas vai demandar um reforço ainda maior do nosso senso de comunidade.
Estamos atravessando um momento nebuloso. As nuvens tem se movimentado e, por alguns instantes podemos pensar que elas estão indo embora, mas elas tornam a ocupar o espaço e deixar novamente nossa visão turva. Com esta imagem sobre a pandemia de COVID-19 e tudo que estamos vivendo em função dela, começou a conversa com o pediatra José Moacir Lacerda Junior, realizada na última quarta-feira, dia 1 de julho, no canal de Youtube da Catavento.
O “Zé” afirmou que a retomada das atividades presenciais na escola vai demandar muita atenção a desafios que podem se apresentar. Para ele, pode ser que as crianças manifestem o que chamou de “efeito não é a mamãe’. “Elas passaram muito tempo em casa, com uma nova rotina, com a família. E certamente haverá um estranhamento neste retorno ao espaço escolar”, disse.
Neste período de isolamento, as escolas foram investigando formas de manter o vínculo com as crianças. Uma delas, foi a conversa mediada por telas por meio de vídeos e reuniões ao vivo. Zé vê nisso um paradoxo, mas acredita que devemos olhar para este fato com temperança. “Em um mundo pré-pandemia, eu sempre fui um grande defensor de que crianças pequenas tenham nenhum ou pouco contato com telas, mas na realidade em que estamos, as famílias precisam lançar mão deste recurso como apoio para realizar tarefas cotidianas e trabalhar”, ponderou. Ele aconselhou as famílias a buscarem equilíbrio e estarem presentes quando estão com estas crianças. “Não negligenciem o momento de estar com elas. Estejam integralmente presentes”, disse.
Quando estas crianças voltarem para a escola, todo esse acúmulo virá com elas. E como não fazer da escola um lugar de extensão da interdição? Este é um desafio imenso. “As crianças pequenas não vão compreender a necessidade do isolamento. Como dizer que elas não podem se tocar? Se abraçar?”, questiona-se o pediatra. Para ele, a saída está em medidas de higiene e cuidados que sempre foram o ponto de partida para prevenção a doenças contagiosas. “Lavar as mãos é fundamental”, insiste.
Ele também lembrou que as máscaras não são recomendadas para crianças com menos de dois anos e que as maiores deverão usar e trocar o assessório a cada duas horas; reforçou as medidas recomendadas pelo infectologista Marcelo Neubauer na conversa com a Catavento, realizada na semana passada; e falou de iniciativas que estão buscando refletir sobre a retomada no sentido pedagógico. “Já existem movimentos preocupados em não deixar ninguém para trás”, afirma, contando que integra o grupo “Coletivxs”, de projetos colaborativos e inclusivos.
“Vamos precisar de todo mundo”
Para José Moacir, a principal questão para a retomada envolve a criação de um “pacto coletivo pelo Outro e pela vida”. Ele citou como inspiração um vídeo que circulou na rede com a aula que o professor Marcelo Rebelo de Souza, Presidente de Portugal, deu sobre as lições do Coronavírus para o país. “No vídeo, o professor presidente explica como os portugueses abraçaram este pacto e a ideia de que a superação viria pela responsabilização de todos pela vida dos outros”, explica Zé.
Entendendo a escola como o lugar do comum e do coletivo, o pediatra afirma que “vamos precisar de uma conversa séria e franca, para entender a configuração da escola como grupo e pensar as co-responsabilidades para este retorno”. O desafio, para ele, está no fato de que “talvez não seja possível fazer isso sem ser invasivo”. “Talvez a escola precise acessar informações da vida privada das famílias e das rotinas de cada casa”, cogita.
Impacto nas crianças
José Moacir explica que pouco se sabe – mesmo no universo da medicina – sobre as possíveis soluções. A ciência também tem acompanhado a dinâmica intensa das mudanças que estamos vivendo. Por isso é importante compreender que os entendimentos que temos hoje são compreensões possíveis de se ter hoje. E amanhã pode ser que aconteça um fato novo que vai trazer novas evidências e mexer no pouco que sabemos.
O pediatra lembra que as superfícies que retém o vírus por mais tempo são plástico e metal. “Hoje, sabemos que é preciso higienizar as superfícies a cada contato e também brinquedos, objetos em geral”. Ele fala que as chupetas devem ser higienizadas constantemente com água e sabão, mas que esta pode ser uma “grande oportunidade para abandonar o hábito”.
Segundo José, hoje, também “é possível afirmar que as crianças são pouco impactadas pelo vírus. Elas transmitem pouco e não são bons vetores. No entanto – sim – elas podem contrair a doença e morrer e – sim – elas são transmissoras do vírus”, enfatiza. Ou seja: as crianças também precisam estar envolvidas neste “grande pacto coletivo” que hoje diz respeito a medidas de isolamento e, em um eventual retorno, dirá respeito aos combinados e regras que cada escola vai adotar.
A lista de novas regras vai causar estranhamento e o esforço para preservar os combinados será grande. “As regras são chatas mesmo. E no começo vai ser difícil. Mas depois, as regras que fazem sentido se tornam hábitos. E as que não fazem sentido, ficam pelo caminho. Se dissipam. Como as nuvens”, concluir Zé. “Isso não é otimismo. As nuvens de fato, em algum momento, vão se dissipar”.
Saiba mais
Veja algumas dicas de fontes de informação confiáveis sugeridas pelo Dr José Moacir.
- Sociedade Brasileira de Pediatria – https://www.sbp.com.br/
- Sociedade Brasileira de Infectologia – https://www.infectologia.org.br/
- Colunista Esper Kallas (Folha e UOL) – https://www1.folha.uol.com.br/colunas/esper-kallas/
- Coletivxs – projetos colaborativos e inclusivos: https://www.instagram.com/coletivxs/