Em encontro realizado pela Catavento com famílias e equipe de educadoras(es), Professor Dr. Alberto Ikeda (ECA-USP) fala sobre a importância da escola na preservação e na transmissão de saberes populares; e do potencial da cultura para a construção de uma identidade de grupo.

“Corre cutia, na casa da tia.

Corre cipó, na casa da avó”

Basta ouvir ou ler estes versos, para – mentalmente ou cantarolando alto – seguirmos até o fim:

“Lencinho na mão, caiu no chão

Moça bonita do meu coração
Posso jogar?
Poooode
Ninguém vai olhar
Nãããão”.


Isso é folclore. Sabedoria popular transmitida por tradição oral de geração para geração. Espécie de “amálgama social”, que – ao mesmo que tempo em que gera identidade e aderência de uma pessoa a um grupo, gera também sentido de coletividade. “Não existe nada mais próximo de nós do que a cultura popular. É partir do Folclore que começamos a nos entender como pessoa. A cultura popular é natural, receptiva, inclusiva, gregária e aceita coletivamente. É o elo entre a individualidade o coletivo”, afirma o professor Alberto Ikeda, Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Ikeda esteve com a Comunidade Catavento em encontro realizado pela escola no último dia 13 de março. Com cantigas de roda, exemplos de manifestações culturais e uma palestra sobre a origem do Folclore, ele contribuiu para famílias e equipe da escola ampliarem a noção de Folclore. “A tradição educacional tende a se concentrar nas lendas. É um caminho fácil. Mas o Folclore é mais do que isso. É dança, música, lendas, brincadeiras e toda cultura que se constrói e se transmite no convívio por meio da oralidade”. Para Ikeda, o Folclore é o guardião do passado e revela elementos da sociedade, formando identidades que se preservam. “Trata-se de reconhecer a memória e dar continuidade a tradições”, explica.

Ele cita como manifestações do Folclore as danças populares, as parlendas e as fórmulas de escolha que as crianças usam nas brincadeiras com músicas como, por exemplo, o “uni duni tê”.

Folclore na escola

Originalmente, a cultura popular de tradição oral tem sua transmissão relacionada a práticas de socialização difusas, comunitárias e familiares, pois se dá nas relações interpessoais. Mas Ikeda explica que a escola foi se apropriando e incorporando aos poucos estes saberes. E por isso, faz sentido pensarmos na aplicabilidade e nas potencialidades pedagógicas dos saberes populares no trabalho educacional. “Hoje a escola organiza e incorpora estes saberes, porque o Folclore é como uma linguagem geracional que atende a criança em múltiplos aspectos, como o psicológico e o emocional”, explica. “Estas fórmulas de escolha, por exemplo, operam com questões como a justiça e a honestidade”, conclui.

O professor afirma que se todas as pessoas brincassem, o nosso mundo seria melhor. “Costumo dizer para pessoas que pensam em casamento que o sucesso da empreitada vai se dar dependendo de quantas brincadeiras o casal conhece”, brinca.

Isso porque, para Ikeda, o Folclore é fundamental na construção de identidades que se projetam no coletivo. “Ao ouvir o professor falar sobre isso, consideramos um acerto muito grande a escolha do tema para nosso projeto pedagógico este ano. Estamos dando continuidade a um trabalho que começamos ao estudar as origens e as tradições familiares no Projeto Eu Nasci Aqui (2018) e nos anos anteriores, quando nos inspiramos na Cultura Afro Brasileira (2016) e na Cultura Índigena (2017)”, explica a diretora da Catavento Adelia Morelli.

Além disso, ela lembra que o projeto transversal da Escola este ano é sobre convivência e cidadania, o que também toca os ensinamentos do professor sobre o Folclore como “cimento social” de uma sociedade.

Apropriações educativas

Ikeda lembra que as criações da cultura popular são demarcadas historicamente. “Por exemplo, hoje, não cantamos mais a versão original da cantiga “Atirei o pau no gato”. Esta manifestação cultural revela a sociedade de um dado momento histórico e tem um contexto de origem. Foi adaptada para corresponder a um crivo ético dos nossos tempos”.

O professor explica que o Folclore deve ser, portanto, uma linguagem que nutre e é nutrida pelas transformações sociais. Ao aplicar suas manifestações na educação, os educadores podem fazer adaptações, mas devem se preocupar em explicar a origem para os alunos e obedecer a critérios éticos para criar novas possíveis versões. “Para ensinar, é preciso estar atento(a), estudar e ter repertório”, diz.

Ao convidar o grupo de pessoas presentes no encontro para um de coco de roda (ritmo típico da Região Nordeste do país e que ), o professor afirma que “a música é a expressão artística com maior capacidade de agregação”. O coco de roda foi a expressão escolhida pelo professor Rubens para incluir a dança na grade da Catavento. Ele está ensaiando com as crianças o coco e a puxada de rede para apresentar às famílias no final do semestre.

Ikeda tinha razão. Foi a música entoada por Ikeda em parceria com o professor Leo que sedimentou os aprendizados daquela noite e reforçou os laços de comunidade entre as pessoas que aceitaram seu convite para cantar, dançar e brincar em círculo.

* O encontro aconteceu no dia 13 de março no Espaço Circo do Colégio São Domingos.

** Alberto Tsuyoshi Ikeda é licenciado em Educação Artística / Música pelo Instituto Musical de São Paulo; Mestre em Artes e Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). É criador e coordenador do Grupo de Estudos Música Étnica e Popular. É professor-colaborador do Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e de outros programas. Participa da coordenação e é consultor na UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo em uma Cátedra intitulada Kaapora (de onde advém o nome do mito da Caipora), que tem como objetivo levar para a Universidade saberes não contemplados nos cânones dominantes acadêmicos, como os saberes étnicos e populares da tradição oral, o folclore.