O isolamento social tende a revelar e potencializar dificuldades na convivência e no cotidiano. As recomendações para lidar com o momento dependem da idade das crianças e das configurações particulares de cada família. Mas a psicóloga Viviane Rossi indica: ter uma rotina é fundamental, as videochamadas são importantes para manter vínculos com familiares e com a escola, códigos de convivência podem regular o dia-a-dia com mais harmonia e falar sobre o cenário é preciso.

 

A surpresa e a incerteza não são exatamente duas novidades para quem tem filhos. Quando chegam, bebês e crianças nos apresentam a necessidade de viver mais o presente e fazer planos de curto prazo. No entanto, as medidas de isolamento em função da pandemia do Coronavírus e todos os cenários possíveis (e nebulosos) para o próximo período projetaram os nossos entendimentos de dúvidas, surpresas e incertezas para um novo patamar. “Fomos pegos de surpresa, estamos isolados há meses e ser perspectiva por um bom período. Então, é normal que estejamos enfrentando dificuldades com a rotina e com a convivência”, afirma a psicóloga Viviane Rossi, em entrevista que concedeu à Escola Catavento.

Parceira de longa data da Escola, Viviane conta que a realidade deste momento depende da idade das crianças e de como cada família conseguiu encarar o que está acontecendo. “O isolamento está colocando uma lupa em tudo que já vivíamos antes e provocando uma revisão de tudo que pensávamos. É importante estarmos atentos às famílias, ao ambiente e a como a criança está respondendo. Diante disso, avaliar o que pode ser feito e que batalhas valem a pena”. Ela explica que algumas “brigas” não precisam ser compradas e que, neste período, é importante sabermos quando é preciso ser mais “permissivos”, mas que a criança precisa, fundamentalmente, de segurança emocional.

E nesse sentido, a culpa é uma vilã. “Não podemos ter culpa de dizer não, mas também não é interessante dizer sim para tudo, porque a rotina é muito importante para a segurança emocional deles. Inclusive, neste momento, eles estão também aprendendo: que estão em casa, mas os pais não estão todo tempo disponíveis, que precisam esperar, que mesmo em casa, existe algum ordenamento”, diz.

Viviane recomenda que as famílias criem rotinas e estabeleçam momentos de convivência, a partir de combinados e códigos. “Com as crianças mais velhas, os combinados falados e escritos funcionam, mas com as mais novas, códigos visuais podem funcionar melhor, com cores e desenhos”, indica. Ela explica que é saudável a criança reivindicar atenção e estar confusa. O lugar do adulto é apoiar o acolhimento e o ordenamento da realidade.

Sempre em diálogo

Negar esta realidade não é uma boa opção. Se a família não conversar com a criança, ela pode ficar ainda mais desconfiada, confusa e insegura. “Fazer de conta que o vírus não existe gera um mal-estar. O modo de lidar com isso também depende da idade da criança e de como a família quer enfrentar. Mas algumas soluções possíveis são desenhar, trabalhar com outras linguagens, brincar. E – sempre – “responder de acordo com o que a criança apresenta, pois ela dá uma medida do entendimento dela”, afirma Viviane.

As videochamadas estão no campo do diálogo e também no âmbito do “viver o possível”. “Antes da pandemia, éramos todos contra a exposição excessiva às telas. Hoje, precisamos compreender que os vídeos são a linguagem possível para que as crianças mantenham o vínculo emocional com pessoas significativas”, aponta Viviane. Para ela, isso se aplica tanto às conversas com familiares, quando às conversas com as professoras e educadoras da escola.

Prejuízos, fadiga e adaptações

Viviane relativiza as possíveis “perdas” deste momento para as crianças. “Certamente, haverá prejuízos, mas também precisamos olhar para ganhos que as crianças estão tendo neste momento, como por exemplo a convivência com os pais de uma forma que muitas certamente nunca tiveram. Acredito que há perdas, mas as crianças recuperam isso muito rápido. Inclusive, com a base emocional que estão ganhando em casa neste momento, estarão fortalecidas para resgatar qualquer possível perda”, diz. Além disso, ela reforça que estamos todos juntos atravessando este momento. “Veremos uma saída coletiva, com certeza”, diz.   

Ela concorda que estamos em um momento em que as crianças começam a demonstrar mais cansaço e apatia. “Nós adultos também estamos assim, então é comum que as crianças também estejam. Acredito que a melhor saída seja observar e ver se esta apatia perdura”. Para ela, qualquer análise deve ser feita no tempo: “Às vezes a criança está apenas cansada ou tem um ganho secundário com o mau humor ou é apenas algo daquele dia. Mas uma criança de até 7 anos por mais de uma semana em comportamento atípico que traga prejuízos escolares, emocionais e familiares talvez esteja precisando de ajuda”.

“Nós da Escola também estamos disponíveis para apoiar as famílias neste momento. Não com um atendimento especializado, mas como é em outros momentos, em que ajudamos a reconhecer as fases que oscilam e os estados das crianças. Podemos ajudar oferecendo encontro ou conversa que possa ajudar a tirar as crianças de uma solidão ou tristeza”, afirma a diretora da Catavento, Luciana Morelli. Viviane pondera que a escola pode ajudar, porque tem uma leitura do comportamento prévio da criança antes desta situação.

Em um eventual retorno, Viviane acredita que as crianças vão enfrentar uma série de desafios de adaptação, parecidos com o que acontece em um novo ano letivo. “Da mesma forma que acontece quando vira o ano, se os pais estiverem tranquilos, transmitirão segurança a esta criança. Se estiverem inseguros, a tendência é esta criança também ter algumas inseguranças”, diz.

Além de manter a rotina, dialogar, trabalhar os vínculos importantes para as crianças e estabelecer códigos de convivência, ela deixa outra dica: “é um momento de muita incerteza. Temos que lidar com ele, entrando em contato com as dores e admitindo os sentimentos que temos. Somos humanos e temos sentimentos ambíguos e controversos. Como estamos em um momento muito incerto, temos que fazer planos de curto prazo com objetivos alcançáveis, para não nos frustrarmos ainda mais”. E muita calma. “Estamos em uma situação inusitada e não temos como saber nem controlar nada”, conclui.