O educador Paulo Freire defende a ideia de que a educação, para ser dotada de sentido, precisa de amorosidade. Na sua obra “Pedagogia da autonomia”, ele afirma que a “convivência amorosa” e a “postura curiosa e aberta” proporcionam um ambiente de respeito à autonomia. A educadora Julia Panizza, responsável pelo Projeto Jardinagem na Catavento, acredita nesta relação e no potencial da natureza para criar oportunidades educativas ao mesmo tempo simples, mas significativas. “Um dos problemas da educação é que ela é ‘em caixinhas’. Quando estamos na natureza, não vemos as coisas divididas em compartimentos como química, física ou jardinagem. Está tudo junto. Nós precisamos mobilizar todas estas visões, mas tudo é natureza”, explica.
A educação infantil – quando conduzida de forma livre e aberta – segundo Julia, confere às crianças a competência de conectar os conteúdos, dando autonomia e não limitando a imaginação e as questões artísticas. “Quando você apresenta esta liberdade para a criança, você dá espaço para construir a autonomia e isso cria pessoas com mais inteligência emocional e mais capacidade ética e moral”, explica. Isso acontece, segundo a professora, porque as crianças são sujeitos de suas experiências. “A criança construiu aquilo e viveu aquilo, então, tem outra relação com o que observa”, completa ela, retomando a questão da amorosidade: “quando você mostra com amor por que aquilo pode machucar o planeta, ensina, mostra esta importância, você pode começar a ter uma mudança maior de comportamento”, conclui.
‘Nasci bióloga’
Esse encantamento de Julia pela natureza e pela educação (e pela parceria entre elas duas) caminha com ela desce criança. “Sempre fui amante da natureza e dos animais”, diz, lembrando de um caso curioso que aconteceu na escola onde ela estudava quando pequena. “Do terreno do lado, vinham para a escola uns sapos muito grandes. As outras crianças os atacavam, jogavam pedras. Um dia, um sapo sumiu e a professora foi procurar na minha mochila para ver se eu tinha escondido o sapo para protegê-lo!”, recorda.
Julia sabia que queria trabalhar com animais, mas aos poucos foi entendendo que a veterinária trata de animais mais domésticos. “E eu gostava de natureza. Aí, fui entender que quem cuida da natureza é bióloga”.
Ela explica que, por diversos fatores, foram sendo apresentadas outras escolhas de carreira possíveis ao longo de sua vida, mas ela tinha muita certeza do que queria. Cursou a graduação (Bacharelado) em Biologia no Mackenzie (SP) e lá também cursou a licenciatura. “Minha intenção sempre foi ser professora. Também já carregava comigo um dom para a didática desde os tempos de escola, quando gostava de apresentar trabalhos e explicar”, diz.
Sua primeira experiência em sala de aula foi no Colégio Modular, onde ela atua até hoje em um projeto que traz a abordagem da agrofloresta para dentro da escola. “Fiz grandes amizades lá, entre elas, o Marcio, professor que me recomendou para a Catavento”, lembra.
Natureza brasileira
Aqui na Catavento, Julia reconfigurou o Projeto Jardinagem. “Temos uma riqueza tão grande, uma biodiversidade incrível. Por que não trazemos essa riqueza para a escola? Foi com esta provocação que sugeri que trabalhássemos com as PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) e trouxe as plantas nativas para criar este viés no projeto”, explica.
Ela conta que mais recentemente, começou o trabalho com maracujás. “Para nascer o fruto, é preciso a flor e uma abelha nativa chamada Mamangava. Fizemos o plantio na frente da escola, porque acredito que é um lugar mais aberto que pode, quando as árvores florescerem, atrair as abelhas. Pode ser uma oportunidade interessante de mostrar para as crianças que elas precisam respeitar a natureza, o espaço de reprodução das plantas e trabalhar uma visão de ecossistema”, diz.
O que chamamos de “jardinagem” é, na verdade, um projeto de visão mais ampla, sistêmica, para olharmos para a natureza, o nosso entorno e o nosso papel nesse ecossistema. “A natureza é tão abundante, que parece que não se esgota. Isso é uma mentira. Quanto mais trabalhamos nossa integração a ela, mais vamos construindo a ideia de que temos que preservá-la”, diz.
Alegria e parceria
Julia chegou na Catavento em janeiro de 2020, pouco antes das transformações ocasionadas pela pandemia. “Apesar de tudo, a Catavento sempre me dá alegria. As diretoras estão sempre com um sorriso no rosto e são poucos os locais em que trabalhamos e vemos esta proximidade tão grande entre as pessoas. Sempre saio da escola realizada!”, diz.
Com as demais professoras, ela conta que se sente muito confortável. “É uma relação muito simples e aberta”, define, marcada por muitas trocas e apoio mútuo.
Julia conta que no começo da pandemia, houve momentos “sufocantes”. “Nós não sabíamos ao certo as frentes com que poderíamos trabalhar. Como íamos trabalhar a terra se nos foi tirada a terra?”, questionou. Sem o espaço comum, foi preciso se reinventar.
Quando voltaram as atividades presenciais, ela se deu conta de que a relação com a natureza poderia trazer mais sentido e amorosidade para as crianças em um momento em que isso pode ter um significado ainda maior. “Sinto que mexer na terra ajuda as crianças a perderem o vício de limpeza que chegou com a pandemia. Elas criam uma conexão com a terra e esquecem um pouco do contexto pandêmico”, afirma.
Depois disso tudo, Julia sonha com o momento em que poderá retomar o projeto, com ênfase nas brasilidades. “Não queremos criar botânicos, mas sim sensibilizar as crianças para o fato de que elas estão em um ambiente em que podem observar a natureza ao redor e reconhecer este entorno, brincar e descobrir com ele”, conclui.